Outro dia, enquanto perambulava por um supermercado da cidade, deparei-me com um casal e uma criança acomodada no "tomovinho" acoplado ao carrinho de compras. Utilizo o termo "tomovinho" para evocar a nostalgia da minha infância, quando a festa de maio se resumia à alegria de brincar nos pequenos carros que giravam em torno de um eixo central, onde a fantasia reinava. "Tomovinho" era como eu chamava carinhosamente o brinquedo mais cobiçado da grande festa popular itapirense.
Contudo, ao avistar a cena no
supermercado, as doces recordações de outrora desvaneceram-se rapidamente,
dando lugar a reflexões mais profundas. Pensei comigo mesmo: se o
"tomovinho" da festa me transportava para mundos imaginários, o que
não faria um carrinho tão elegante quanto aquele do supermercado, percorrendo
todos os corredores, virando à esquerda e à direita, sem o limite dos escassos
minutos oferecidos pelo brinquedo da festa? Que tamanho de aventura seria essa!
No entanto, a criança no carrinho
não parecia estar vivendo nenhuma aventura. Estava ali, sentada, quieta, sem
dar trabalho algum aos pais, o que talvez fosse a verdadeira função do
"tomovinho" do supermercado. O que de fato capturava a atenção dela
era um aparelho celular. Provavelmente, ela não se deliciou com a jornada, não
fingiu estar ao volante, não observou as pessoas ao redor, não simulou buzinar,
não permitiu que sua imaginação a conduzisse. Ao fim das compras, nem deve ter
chorado ao ser retirada do carrinho, como eu chorava quando meu tempo no
"tomovinho" terminava.
Refletindo sobre isso, se as
crianças que são entregues aos celulares para a tranquilidade dos pais
deixassem de se divertir com a imaginação ou com brincadeiras reais, talvez não
fosse tão ruim, de vez em quando. No entanto, é evidente que a maioria das
crianças e adolescentes está cada vez mais enfeitiçada pelas telas dos
celulares, tornando-se indiferentes à vida real e expondo-se, sem perceber, a
problemas comportamentais, emocionais e físicos. Estudos detalhados realizados
por entidades pediátricas concluíram que o excesso de exposição ao mundo
virtual pode causar dificuldades no sono, queda no rendimento escolar,
problemas oculares, dores de cabeça, ansiedade e depressão, alimentação menos
saudável, obesidade, sedentarismo e distúrbios de imagem.
Em novembro, a Austrália aprovou
uma lei que proíbe completamente o uso de smartphones por menores de 16 anos,
obrigando gigantes da tecnologia, como Meta e TikTok, a impedir o acesso de
menores de idade. Um quarto dos países do mundo já possui leis que proíbem o
uso de celulares nas escolas, entre eles: França, Espanha, Grécia, Dinamarca,
Finlândia, Holanda, Itália, Suíça, México, Estados Unidos, Portugal, Escócia e
Canadá.
No Brasil, as restrições
começaram em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Roraima, Distrito Federal,
Paraná, Rio Grande do Sul, Maranhão e Tocantins. Atualmente, tramita na Câmara
dos Deputados um projeto de lei que visa proibir o uso de celulares ou outros
dispositivos eletrônicos móveis em escolas em todo o país.
O verdadeiro desafio será limitar
o acesso a esses dispositivos para menores de 16 anos fora do ambiente escolar,
no cotidiano. A consequência prevista é sombria: o futuro de nossas crianças e
adolescentes pode estar em risco.