segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

A criança na janelinha e a justiça popular

Um incidente envolvendo um menino de quatro anos que desejava sentar-se em um assento não designado a ele gerou grande controvérsia nas redes sociais. A situação foi rejeitada pela ocupante legítima do assento, e a cena, marcada pelo choro da criança, foi registrada em vídeo e rapidamente viralizou. A criança foi rotulada de forma pejorativa, e sua mãe foi acusada de negligência. Em contrapartida, a mulher que reivindicou seu assento ganhou mais de dois milhões de seguidores, apoiando-a por defender seus direitos e destacar a necessidade de impor limites à criança.

Contudo, a questão que se coloca é se houve justiça. A história contada pelo vídeo foi fruto de uma interpretação apressada, típica das redes sociais, onde as pessoas julgam com base em informações parciais e sem um entendimento completo dos fatos.

Na verdade, a mãe, acompanhada de três filhos, um dos quais cadeirante, o filho mais novo sentou-se ao lado da avó, na janela, em um assento que não era dele. Quando a dona do assento solicitou seu lugar de volta, o menino concordou sem resistência e sentou-se ao lado da mãe, ainda na janela, manifestando seu desejo de permanecer perto da avó. No entanto, quando a aeromoça passou para checar os cintos de segurança, o garoto começou a chorar. Uma pessoa que não estava envolvida no episódio interveio, pedindo que a mulher cedesse o assento à criança. Diante da negativa, essa pessoa filmou a situação, fez comentários e pediu à filha que divulgasse o conteúdo, expondo a "insensível criatura" ao escrutínio público. O vídeo teve enorme repercussão, e os internautas, acreditando erroneamente que a mãe era a autora da filmagem e dos comentários, julgaram e condenaram. A mãe e a criança foram alvo de uma enxurrada de insultos.

O caso será levado à justiça em busca de reparação. Dependendo da atuação dos advogados, não apenas quem publicou o vídeo, mas também alguns dos que comentaram, caso sejam identificados, poderão ser responsabilizados e, se condenados, terão de pagar as indenizações correspondentes. Casos como este estão se tornando cada vez mais comuns nos tribunais.

É crucial ressaltar que postagens em redes sociais podem ser usadas como prova em processos judiciais. Comentários, compartilhamentos e até mesmo "curtidas" podem ser levados em consideração, dependendo do grau de constrangimento ou danos causados, mesmo quando o conteúdo é verdadeiro.

Esse caso, iniciado na semana passada, ainda tem um longo caminho pela frente e promete causar muitos transtornos. Ele serve de alerta sobre como a justiça popular pode ser mais arbitrária que o poder judiciário, que, ao menos, garante o direito à defesa, exige provas sólidas e trata as sentenças com mais discrição.

A ausência de um sistema legal e de um poder judiciário seria desastrosa. Os julgamentos das bruxas de Salem, baseados em testemunhos espirituais, resultaram em mortes e prisões injustas. Os linchamentos no Velho Oeste americano, sem julgamento formal, foram motivados por acusações frágeis e preconceitos. E as acusações infundadas contra judeus durante a peste negra na Idade Média levaram à perseguição e à morte, baseadas em preconceito e superstições.

Quando os procedimentos legais são ignorados ou quando as autoridades não agem conforme as normas, qualquer pessoa pode ser injustamente condenada, presa, ferida ou morta. Nem sempre a opinião pública reflete a justiça. Nem sempre a voz do povo é a voz de Deus.

Conclusão: toda e qualquer indignação tem o direito de ser expressa, sem qualquer problema, contanto que não ofenda ninguém, não cause constrangimento, não prejudique terceiros e não utilize palavras inadequadas fora de contexto. Assim, qualquer manifestação deixa de ser considerada uma livre expressão quando viola os direitos de outrem.