Tenho acompanhado pessoas, entre
elas amigos meus, opinando sobre a supressão da velha fonte luminosa e a instalação
de uma nova, no mesmo lugar. Enquanto
uns se manifestam saudosamente, outros aproveitam a oportunidade para politizar
o processo. Nada errado com um, nem com o outro. É o sagrado direito à liberdade
de expressão. Eis a minha colher na prosa.
Eu era criança do tempo em que a
gente ia passear no jardim. Isso mesmo, o lugar onde é a nossa praça era um
grande jardim, bonito por natureza. Acolhedor e orgulhado pelos itapirenses. Não
existia fonte luminosa. Ainda criança, eu me lembro dos tapumes que esconderam um
crime, para mim, de lesa-memória: destruição do jardim dos meus tempos de
criança, em plena atividade social, era o centro das atenções e da roda de
paquera nos finais de semana, homens de um lado, mulheres do outro em sentido
contrário. Era um jardim vivo. Mesmo assim, nunca ouvi relatos de que o povo de
Itapira tenha feito algo para evitar extinção do primoroso jardim. Será que se
fosse hoje, deixaríamos aquele lindo jardim ser destruído? Eu desconfio que
não!
Cresci um pouco mais, minha
adolescência e juventude estão fincadas na moderna Praça Bernardino de Campos. Guardo
na memória o cenário daqueles bons tempos: a praça, a banda, os bares, os
clubes e a fonte luminosa. Quantas e quantas vezes não fiquei frente à frente
com a velha fonte luminosa, sozinho ou com amigos ou com alguma namorada.
A graça da praça não eram os
clubes, os bares, a banda e a fonte luminosa. A graça da praça isso tudo com aquele
monte de gente nos finais de semana e feriados. Mesmo durante o dia, a praça
era movimentadíssima. A fonte luminosa foi a última a se despedir: primeiro
fomos nós na debandada, depois os cinemas, os clubes, os bares e a banda.
Quando os meus filhos eram
pequenos, todos os domingos nós íamos à praça para ouvir a Banda Lira e ver a
fonte luminosa funcionando. A cada dia, menos admiradores da praça, da banda e
da fonte luminosa. Lembro-me da última apresentação depois de oitenta anos seguidos
animando a praça com suas retretas dominicais. Também não me lembro de nenhuma
manifestação significativa contra o fim das apresentações da Banda e da
desativação da fonte luminosa. A praça dos encontros, finalmente, foi
transformada em praça de passagem.
Haverá quem diga que tudo isso é consequência
do progresso e das mudanças na nossa sociedade. Argumentos fortes e
convincentes. Infelizmente, nem sempre estamos preparados para aceitar o preço
da modernidade. E esse preço é sempre alto.
Querer trazer a velha fonte de
volta, assim como ela era ou esta de nova roupagem, ou nas prosas reais ou
virtuais é querer voltar ao tempo em que ter uma fonte luminosa na praça era
mais importante do que saúde pública para todos ou saneamento básico ou
iluminação na cidade inteira; é querer voltar a uma praça que perdeu há muito
tempo o nosso agraço e que certamente continuará às moscas, daqui em diante,
como nos últimos trinta e poucos anos; é querer voltar aos bons tempos, aqueles
que não voltam mais. Agora é tarde!
Se existe algum legado que a
velha fonte possa nos ter deixado é que a responsabilidade preservacionista é daqueles
com capacidade para resistir às investidas da modernidade e de organizar os meios
de manutenção. Preservar também é arcar com as despesas decorrentes. Talvez
tenhamos aprendidos de que não adianta chorar pelo leite derramado e que se
algo está para ser desativado e é importante para a nossa história, devemos colocar
a boca no trombone antes das vias de fato. O silêncio é um atestado de
anuência, de autorização, de consentimento...
Da minha parte, eu preferiria ver
uma fonte bonita na nossa praça - não precisa ser uma “Fontana di Trevi” - que
atendesse os requisitos básicos artísticos e sensoriais das fontes urbanas do
mundo inteiro, aquelas que usam o poder das águas para nos relaxar e despertar sensações
de bem-estar e refrescância. Que funcionasse o dia inteiro. Iluminação? Apenas luz
branca à noite para iluminar a protagonista: a água em movimento.
A praça só tem graça com gente e
com histórias.