quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Ó fonte luminosa, iluminai-nos!

 

Tenho acompanhado pessoas, entre elas amigos meus, opinando sobre a supressão da velha fonte luminosa e a instalação de uma nova, no mesmo lugar.  Enquanto uns se manifestam saudosamente, outros aproveitam a oportunidade para politizar o processo. Nada errado com um, nem com o outro. É o sagrado direito à liberdade de expressão. Eis a minha colher na prosa.

Eu era criança do tempo em que a gente ia passear no jardim. Isso mesmo, o lugar onde é a nossa praça era um grande jardim, bonito por natureza. Acolhedor e orgulhado pelos itapirenses. Não existia fonte luminosa. Ainda criança, eu me lembro dos tapumes que esconderam um crime, para mim, de lesa-memória: destruição do jardim dos meus tempos de criança, em plena atividade social, era o centro das atenções e da roda de paquera nos finais de semana, homens de um lado, mulheres do outro em sentido contrário. Era um jardim vivo. Mesmo assim, nunca ouvi relatos de que o povo de Itapira tenha feito algo para evitar extinção do primoroso jardim. Será que se fosse hoje, deixaríamos aquele lindo jardim ser destruído? Eu desconfio que não!

Cresci um pouco mais, minha adolescência e juventude estão fincadas na moderna Praça Bernardino de Campos. Guardo na memória o cenário daqueles bons tempos: a praça, a banda, os bares, os clubes e a fonte luminosa. Quantas e quantas vezes não fiquei frente à frente com a velha fonte luminosa, sozinho ou com amigos ou com alguma namorada.

A graça da praça não eram os clubes, os bares, a banda e a fonte luminosa. A graça da praça isso tudo com aquele monte de gente nos finais de semana e feriados. Mesmo durante o dia, a praça era movimentadíssima. A fonte luminosa foi a última a se despedir: primeiro fomos nós na debandada, depois os cinemas, os clubes, os bares e a banda.

Quando os meus filhos eram pequenos, todos os domingos nós íamos à praça para ouvir a Banda Lira e ver a fonte luminosa funcionando. A cada dia, menos admiradores da praça, da banda e da fonte luminosa. Lembro-me da última apresentação depois de oitenta anos seguidos animando a praça com suas retretas dominicais. Também não me lembro de nenhuma manifestação significativa contra o fim das apresentações da Banda e da desativação da fonte luminosa. A praça dos encontros, finalmente, foi transformada em praça de passagem. 

Haverá quem diga que tudo isso é consequência do progresso e das mudanças na nossa sociedade. Argumentos fortes e convincentes. Infelizmente, nem sempre estamos preparados para aceitar o preço da modernidade. E esse preço é sempre alto. 

Querer trazer a velha fonte de volta, assim como ela era ou esta de nova roupagem, ou nas prosas reais ou virtuais é querer voltar ao tempo em que ter uma fonte luminosa na praça era mais importante do que saúde pública para todos ou saneamento básico ou iluminação na cidade inteira; é querer voltar a uma praça que perdeu há muito tempo o nosso agraço e que certamente continuará às moscas, daqui em diante, como nos últimos trinta e poucos anos; é querer voltar aos bons tempos, aqueles que não voltam mais. Agora é tarde!

Se existe algum legado que a velha fonte possa nos ter deixado é que a responsabilidade preservacionista é daqueles com capacidade para resistir às investidas da modernidade e de organizar os meios de manutenção. Preservar também é arcar com as despesas decorrentes. Talvez tenhamos aprendidos de que não adianta chorar pelo leite derramado e que se algo está para ser desativado e é importante para a nossa história, devemos colocar a boca no trombone antes das vias de fato. O silêncio é um atestado de anuência, de autorização, de consentimento...

Da minha parte, eu preferiria ver uma fonte bonita na nossa praça - não precisa ser uma “Fontana di Trevi” - que atendesse os requisitos básicos artísticos e sensoriais das fontes urbanas do mundo inteiro, aquelas que usam o poder das águas para nos relaxar e despertar sensações de bem-estar e refrescância. Que funcionasse o dia inteiro. Iluminação? Apenas luz branca à noite para iluminar a protagonista: a água em movimento.

A praça só tem graça com gente e com histórias.