No início do século passado, 99%
da população brasileira se declarava católica. Como nem se falava em ateísmo
naquela época, podemos dizer, juntando as demais religiões, todo mundo
acreditava em Deus. No início deste ano foi publicada uma pesquisa onde 50% dos
entrevistados se declararam católicos; 31%, evangélicos e 8% citaram outras
religiões; em suma, a maioria, 89%, coloca Deus sobre todas as coisas. Mas o
que mais me chamou a atenção não foi a forte migração de católicos para as
igrejas evangélicas, mas os “11%” que faltaram para fechar a conta. Considerando
a margem de erro, é possível afirmar que entre 23 a 30 milhões de pessoas são
assumidamente descrentes ou não consideram intermediários para assuntos divinos.
Em tese, é gente sem fé. Em linguagem atual, Deus pode estar sendo vítima da cultura
do cancelamento, nesse caso, no coração das pessoas.
Não é novidade dizer que estamos vivendo
um processo de desconstrução das práticas e dos costumes antigos. Até aí, tudo
bem, faz parte da evolução social e não há nada que possa ser feito para
interrompe-la. É um processo contínuo. Vem de antanho.
A internet virou um campo de
discussão de ideias e de manifestações contra comportamentos considerados
errados cometidos por alguma pessoa ou grupo. A cultura do cancelamento é um
recurso rápido para tentar “impedir” que os “cancelados” continuem disseminando
“as coisas erradas”. Quase um julgamento olho por olho, dente por dente. Para
os que cancelam, só os cancelados cometem erros. Não há tempo de prescrição. O
erro do cancelado nem precisa ser recente, como ele não foi condenado no
passado, o presente deve fazer justiça. Nessa esteira, injustiças imperam.
Retomando o tema: que erro Deus poderia
ter cometido para ser cancelado por uma parcela significativa da população
brasileira? Pensei e conclui que se Deus cometeu algum erro, este seria o livre-arbítrio
que Ele concedeu à humanidade. Quem nega Deus não sai por aí tentando converter
os outros ao ateísmo, esses só se manifestam quando provocados. Para o ateu,
falar mal de Deus, não faz sentido. Mas tem aqueles que professam fé inconteste
em Deus, mas podem estar servindo como contraexemplo.
Santo Agostinho nos ensina que o
livre-arbítrio é um bem concedido ao homem por Deus, mesmo que o homem o
utilize de forma errônea e provoque o mal. E adverte: “Deus criou o
livre-arbítrio, porém este não é um mal, mas um bem que procede de Deus. O
homem é quem faz dele (do livre arbítrio) um meio para se chegar ao mal. Se sua
escolha for o mal, nunca poderá ter liberdade. ”
São bons exemplos aqueles dirigentes
religiosos que usam da fé dos fieis para obter vantagens financeiras ou que
cometem malfeitos diversos ou que usam do poder de oratória para orientar seus
cativos para caminhos estranhos e duvidosos? Esses não estariam distanciando
Deus das pessoas?
São bons exemplos os empresários,
os profissionais, os políticos ou qualquer pessoa deste mundo que clamam por
Deus (ou Jesus Cristo) de forma sistemática e constante, denotando interesse em
obter retornos de popularidade ou financeiros? Esses não comprometem a fé em
Deus?
São bons exemplos o uso de imagens
religiosas e juramentos bíblicos nas salas dos poderes legislativo, executivo e
judiciário, onde decisões nem sempre confessáveis são tomadas? Seria isso um marketing
positivo de Deus?
As religiões não devem desaparecer
da face da Terra ao longo dos tempos. Mas há duas previsões esperadas ainda
neste século: o aumento considerável do ateísmo e dos sem religião; e o aumento
das religiões fundamentalistas, aquelas que estabelecem comportamentos mais
restritivos aos fiéis; tudo isso provocado pelo marketing negativo de Deus. O
futuro a conferir...