terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Pelé, o exagerado



Quando eu gravitava em torno dos meus seis anos de idade, meu pai me presenteou com uma camisa do São Paulo Futebol Clube. Nunca entendi direito a intenção dele. Meu pai, além de desinteressado por futebol, quando era perguntado, respondia “parmera”, com certeza, em honra à italianidade e ao meu “nonno”, este sim palmeirense da gema.  Eu gostava muito daquela camisa. Usei até o escudo tricolor ficar quase invisível. Tenho essa imagem até hoje guardada na memória. Mas a camisa não me fez são-paulino.

Naquela época, eram poucas as casas com aparelho de televisão. Na minha rua, só tinha na casa do meu amigo João Carlos de Lima. Os jogos não eram transmitidos ao vivo. Eram mostrados em videoteipe, depois das 22h pela TV Tupi. Sempre que tinha jogo do Santos, João, santista antes de mim, me convidava. Como não assistíamos aos jogos pelo rádio, tampouco sabíamos qual tinha sido o resultado, para nós, era como se o jogo fosse ao vivo. Era emocionante. Divertíamos muito. Não havia a menor chance de eu não ser santista, também. Aliás, tenho cá com os meus botões: os meus contemporâneos, filhos de pais palmeirenses, são-paulinos e corintianos provavelmente eram proibidos de ouvir ou assistir aos jogos do Santos, caso contrário, hoje, a maioria seria peixe desde criancinha. Santos tinha um grande time e tinha Pelé!   

Vi algumas pessoas criticando o exagero dedicado pela imprensa ao Pelé, depois da morte de Edson Arantes do Nascimento. Concordo, tudo que se refere ao Pelé, o exagero é constante. Nem preciso falar das realizações dentro de campo, quase todo mundo conhece o tanto que ele exagerava. Vou pela lateral.

Pelé jogava bola até dormindo, seus amigos contam que era comum ele se levantar à noite, ficar em pé, sonâmbulo, gritar “gol” e se deitar novamente.

O time do Santos era convidado, o tempo todo, a se exibir nos estádios do mundo, desde que Pelé estivesse em campo. Em dois desses jogos, um na Nigéria, outro no antigo Congo, os dois países estavam em guerra, a paz foi restabelecida para que todos pudessem ver o Rei jogar. Depois, a guerra continuou.   

Os Beatles também foram e ainda são fenômenos mundiais. Na Copa de 1966, na Inglaterra, John, Paul, George e Ringo queriam conhecer o camisa 10. Foram ao hotel da seleção brasileira, mas foram barrados. Pelé só ficou sabendo dessa história, quando morava em Nova York, através de John Lennon. Ambos frequentavam a mesma escola de idiomas, Pelé aprendia inglês, Lennon, japonês.  Resumindo, Pelé esnobou uma das maiores bandas de todos os tempos, que segundo ele, veto da CBF.

No jogo em Trinidade e Tobago, país caribenho envolto em manifestações civis e exército nas ruas, depois de Pelé fazer um gol no final da partida, o público invadiu o campo, colocou Pelé nos ombros, sem a concordância dele ou do Santos, saiu em desfile pelas ruas da cidade, como um troféu. Deu um trabalhão danado para resgatar Pelé. Felizmente, o susto só atrasou o voo.

Pelé participou de vários filmes. Um deles, “Fuga pela Vitória”, que conta a história de um jogo fictício entre um time nazista e uma equipe de prisioneiros durante a Segunda Guerra Mundial. Para os alemães, o jogo era uma propaganda nazista. Para os aliados, uma oportunidade de fuga programada para ocorrer no intervalo. A Alemanha venceu o primeiro tempo. Na hora de fugir, Pelé, inconformado, fala: "Se fugirmos agora perderemos mais que um jogo”. Voltaram e venceram com gol de Pelé, de bicicleta. O detalhe desse jogo era a participação de Sylvester Stallone, que atuou como goleiro e teve um dedo quebrado ao tentar defender um chute de Pelé. Stallone, no ano seguinte, ganharia as telas como o poderoso Rambo.

Poucas personalidades mundiais são tão conhecidas, amadas e endeusadas como Pelé, por isso, o exagero da mídia talvez ainda seja pequeno diante da magnitude dele. Pelé, eterno! Um exagero merecido.