Entre 1870 e 1920, um êxodo silencioso marcou a história de dois países: 1,5 milhão de italianos cruzaram o Atlântico, desembarcando principalmente em São Paulo (60%), Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Espírito Santo e Paraná. Hoje, um terço dos brasileiros carrega DNA italiano. Em Itapira, estima-se, quase dois terços.
O governo italiano aprovou uma
lei que restringe o acesso à cidadania “iure sanguinis” (direito de sangue),
alegando "segurança nacional" e um suposto "fluxo
descontrolado" de pedidos. A medida, sujeita a desafios judiciais, cortou
o elo de milhões de descendentes com suas raízes.
É irônico: os mesmos italianos
que fugiram da fome no século XIX agora têm seus netos e bisnetos barrados por
burocracia. Seus sonhos de retorno – adiados pela pobreza, mas nunca
abandonados – são hoje negados com um carimbo.
Até 1991, eu mal conhecia minha
herança italiana. Foi a Festa dos 100 Anos da Família Marcati que desenterrou a
saga de Bonifácio e Santa, seus filhos, suas lutas... Três anos mais tarde, com
ajuda de um amigo italiano, reconectei os fios da memória.
Buscar a cidadania foi mais que
um trâmite: foi reativar registros empoeirados, parados desde 1892 com a
anotação "Emigrato in Brasile". Para nós, esse processo é a única
forma de recolocar os avós, muitas vezes esquecidos, na linha do tempo.
Entende-se a necessidade de
combater fraudes, mas alterar o princípio constitucional do ius sanguinis é
cuspir na história. Quem já possui a cidadania italiana, nada muda. No entanto,
para quem ainda não requereu, o caminho poderá ser muito espinhoso, com grande
chance de ser negado. Os italianos que aqui chegaram não vieram por turismo –
vieram para sobreviver. O Brasil os acolheu e prosperou com seu suor, mas seu
coração sempre bateu em dois lugares.
Enfim, o governo italiano lhes
oferece uma "bela duma banana" (como diria um nonno indignado). É um
corte não só jurídico, mas afetivo.