Quando eu gravitava em torno dos
meus seis anos de idade, meu pai me presenteou com uma camisa do São Paulo
Futebol Clube. Nunca entendi direito a intenção dele. Meu pai, além de desinteressado
por futebol, quando era perguntado, respondia “parmera”, com certeza, em honra
à italianidade e ao meu “nonno”, este sim palmeirense da gema. Eu gostava muito daquela camisa. Usei até o
escudo tricolor ficar quase invisível. Tenho essa imagem até hoje guardada na
memória. Mas a camisa não me fez são-paulino.
Naquela época, eram poucas as
casas com aparelho de televisão. Na minha rua, só tinha na casa do meu amigo
João Carlos de Lima. Os jogos não eram transmitidos ao vivo. Eram mostrados em
videoteipe, depois das 22h pela TV Tupi. Sempre que tinha jogo do Santos, João,
santista antes de mim, me convidava. Como não assistíamos aos jogos pelo rádio,
tampouco sabíamos qual tinha sido o resultado, para nós, era como se o jogo fosse
ao vivo. Era emocionante. Divertíamos muito. Não havia a menor chance de eu não
ser santista, também. Aliás, tenho cá com os meus botões: os meus contemporâneos,
filhos de pais palmeirenses, são-paulinos e corintianos provavelmente eram
proibidos de ouvir ou assistir aos jogos do Santos, caso contrário, hoje, a
maioria seria peixe desde criancinha. Santos tinha um grande time e tinha Pelé!
Vi algumas pessoas criticando o
exagero dedicado pela imprensa ao Pelé, depois da morte de Edson Arantes do
Nascimento. Concordo, tudo que se refere ao Pelé, o exagero é constante. Nem preciso
falar das realizações dentro de campo, quase todo mundo conhece o tanto que ele exagerava. Vou pela lateral.
Pelé jogava bola até dormindo, seus
amigos contam que era comum ele se levantar à noite, ficar em pé, sonâmbulo,
gritar “gol” e se deitar novamente.
O time do Santos era convidado, o
tempo todo, a se exibir nos estádios do mundo, desde que Pelé estivesse em
campo. Em dois desses jogos, um na Nigéria, outro no antigo Congo, os dois países estavam em
guerra, a paz foi restabelecida para que todos pudessem ver o Rei jogar. Depois, a
guerra continuou.
Os Beatles também foram e ainda
são fenômenos mundiais. Na Copa de 1966, na Inglaterra, John, Paul, George e
Ringo queriam conhecer o camisa 10. Foram ao hotel da seleção brasileira, mas
foram barrados. Pelé só ficou sabendo dessa história, quando morava em Nova
York, através de John Lennon. Ambos frequentavam a mesma escola de idiomas,
Pelé aprendia inglês, Lennon, japonês. Resumindo,
Pelé esnobou uma das maiores bandas de todos os tempos, que segundo ele, veto da
CBF.
No jogo em Trinidade e Tobago, país
caribenho envolto em manifestações civis e exército nas ruas, depois de Pelé fazer
um gol no final da partida, o público invadiu o campo, colocou Pelé nos ombros,
sem a concordância dele ou do Santos, saiu em desfile pelas ruas da cidade,
como um troféu. Deu um trabalhão danado para resgatar Pelé. Felizmente, o susto
só atrasou o voo.
Pelé participou de vários filmes.
Um deles, “Fuga pela Vitória”, que conta a história de um jogo fictício entre
um time nazista e uma equipe de prisioneiros durante a Segunda Guerra Mundial. Para
os alemães, o jogo era uma propaganda nazista. Para os aliados, uma
oportunidade de fuga programada para ocorrer no intervalo. A Alemanha venceu o
primeiro tempo. Na hora de fugir, Pelé, inconformado, fala: "Se fugirmos
agora perderemos mais que um jogo”. Voltaram e venceram com gol de Pelé, de bicicleta.
O detalhe desse jogo era a participação de Sylvester Stallone, que atuou como
goleiro e teve um dedo quebrado ao tentar defender um chute de Pelé. Stallone, no
ano seguinte, ganharia as telas como o poderoso Rambo.
Poucas personalidades mundiais
são tão conhecidas, amadas e endeusadas como Pelé, por isso, o exagero da mídia
talvez ainda seja pequeno diante da magnitude dele. Pelé, eterno! Um exagero merecido.