Tenho observado, vez por outra, pensamentos tão obtusos sobre liberdade que resolvi mergulhar no tema. Liberdade, sempre a entendi, que nada mais é do que a legítima independência de exercer a minha vontade dentro dos limites da lei, sem prejudicar a vida ou interferir na liberdade do outro, seja quem for esse outro. Liberdade é a sensação de ser livre para falar, ver, ouvir, pensar, escrever, opinar, navegar...
A Covid19 tem oferecido centenas de
pontos, dantes nunca navegados, onde a palavra liberdade é acionada o tempo
todo. Liberdades para aglomerar; para não usar máscara; para se medicar com
remédios questionados pela ciência; para elaborar teorias lastreadas no achismo
fácil ou infantil... E por aí vai. Tudo bem! Muitos desses arroubos libertários
são legítimos, eles se valem do direito sagrado da livre expressão: o de opinar
sobre o que bem entender, respaldado ou não, em conformidade com a moral ou não.
Mas alguns desses pensamentos entram num campo perigoso e podem prejudicar
incautos, coincidentemente, outras pessoas. E como fica essa tal liberdade?
Caminhemos sobre a liberdade de
abrir uma discussão desenfreada e ao destempo sobre a vacinação obrigatória (ou
não) da Covid19. Vale lembrar que essa vacina ainda não existe, não pode ser
aplicada fora dos testes programados e, portanto, trata-se de uma discussão
sobre algo que não existe e que pode até não existir, apesar de todas as
torcidas. Por isso não entrarei no mérito, usarei a dita cuja para entender
como fica essa tal liberdade da obrigatoriedade ou não.
Imaginemos, tempos mais tarde, que
estamos com a vacina pronta para ser aplicada e que nenhuma lei - federal,
estadual ou municipal - estabeleceu a vacinação compulsória, em respeito à liberdade
de não aceitar ser vacinado. Tudo resolvido? Discussão acabada? Liberdade
garantida?
Como qualquer campanha de
vacinação, etapas seriam estabelecidas: primeiro os profissionais da saúde e os
grupos de riscos; depois os profissionais que trabalham com muitas pessoas ao
mesmo tempo, como os professores e carcereiros; as crianças e os que sobraram.
Tecnicamente, nem todo mundo precisa ser vacinado, a imunidade de rebanho pode
ser atingida a partir de 2/3 de cobertura. O que vai acontecer com os não vacinados?
A produção, distribuição e
aplicação, seguindo o cronograma, levará de 12 a 24 meses. Tempo suficiente
para demostrar, por exemplo, o que aconteceu com quem se vacinou e quem se recusou.
Caso os vacinados tenham melhor sorte, os não vacinados poderão chamar a
liberdade para tomar outra decisão. Ou não?
Os governos tomam decisões
políticas e tentam, na medida do possível, não desagradar a maioria. Mas nos
setores não governamentais, a natureza é outra. A liberdade também será usada
em nome da conveniência. As atividades que dependem de pessoas num mesmo espaço
para funcionar, como: escolas, bares, teatros, cinemas, estádios, casas de
shows, rodeios, circos etc. poderão estabelecer que seus frequentadores
comprovem que foram vacinados. O mesmo poderá ocorrer com o sistema de transportes
(aéreo, marítimo, fluvial, férreo ou rodoviário); com os empresários em relação
aos seus trabalhadores e clientes; e com os profissionais liberais (médicos,
dentistas, advogados etc.) que não estarão dispostos a correr riscos. Ou não?
Platão, que foi discípulo de
Sócrates e mestre de Aristóteles pode nos ajuda a entender melhor essa tal
liberdade quando descreve que liberdade é o ser humano ter a preferência de
sobreviver dentro da dignidade, mesmo que ele escolha viver em conformidade com
a moral ou não.